sábado, 24 de janeiro de 2009

A Revolta dos Malês está completando 174 anos. Movimento que explodiu em 25 de janeiro de 1835, foi uma das mais importantes rebeliões de negros e negras da história do País. Praticamente omitida pela historiografia oficial, a Revolta é uma lição de garra e luta pela liberdade, mas também uma demonstração do grau de perversidade das elites dominantes.
A Revolta foi planejada por um grupo de africanos muçulmanos, de origem haussa e nagô, chamados de malês, devido ao fato de que, em ioruba, muçulmano é imale. Faziam parte do grupo, dentre outros, Ahuma, Pacífico Licutan, Luiza Mahin, Aprício, Pai Inácio, Luís Sandim, Manuel Calafate, Elesbão do Carmo, Nicoti e Dissalu. A data escolhida, o amanhecer de 25 de janeiro, coincidia com um dia importante do ponto de vista religioso: o fim do mês sagrado muçulmano, o Ramadã, e dos tradicionais festejos religiosos dedicados a Nossa Senhora da Guia, que manteriam ocupados os católicos.
O objetivo da conspiração era libertar seus companheiros islâmicos e negros em geral e matar brancos e mulatos considerados traidores. Uma meta que traduzia a complexa combinação entre escravidão negra e perseguição religiosa, imposta pelos colonizadores católicos.
Dois aspectos principais influenciaram todo o processo. Em primeiro lugar, diferentemente da maioria dos negros, que compunham mais da metade dos cerca de 20 mil habitantes de Salvador, os malês sabiam ler e escrever em árabe. Além disso, boa parte dos líderes da Revolta era formada por negros de ganho (escravos que faziam serviços urbanos, artesanato ou vendas, recebendo algo por isso) o que não só facilitava sua circulação pela cidade, mas também possibilitou que muitos deles comprassem sua alforria e, nos meses que anteriores à Revolta, adquirissem armas.
Nos dias que antecederam o levante houve uma intensa movimentação, sobretudo de escravos vindos do Recôncavo Baiano para Salvador. Viriam unir-se ao líder Ahuma, que havia sido preso e estava sendo brutalmente castigado. Além disso, o respeitado Alufá Pacífico Licutan, vítima de constantes maus tratos por parte de seu senhor, também se encontrava preso na cadeia municipal. É certo que as agressões sofridas por esses dois mestres foi o estopim para por em prática a revolta há muito planejada.
O número de pessoas envolvidas na preparação da rebelião (entre libertos, escravos, islâmicos e gente que professava outras religiões) varia de acordo com a documentação entre 600 e 1.500, a maioria esmagadora deles nascidos na África. Traição e massacre
Antes mesmo de eclodir, a Revolta foi denunciada por uma negra ao juiz de paz. A polícia invadiu, na noite de 24 de janeiro, a residência de Manuel Calafate, um dos locais de encontros e reuniões de africanos de fé islâmica. Resistindo à polícia, partiu dali um grupo de escravos que tentou assaltar a cadeia, ainda então instalada na parte baixa do prédio da Câmara Municipal. Outro grupo procurou avisar escravos e libertos malês que trabalhavam nas residências de cônsules e comerciantes estrangeiros. Reuniram-se cerca de 50 a 60 homens armados com pistolas, lanças, espadas e facas. Foram esses os que, primeiro, combateram com a polícia e atacaram o quartel que controlava a cidade.
De forma desorganizada, a Revolta tomou a cidade, mas, devido à inferioridade numérica e de armamentos, acabou sendo massacrada pelas tropas da Guarda Nacional, pela polícia e por civis armados que estavam apavorados ante a possibilidade do sucesso da rebelião negra.
Durante os confrontos, morreram cerca de 70 negros e aproximadamente 10 soldados das forças repressoras. Com a derrota, centenas foram presos, sendo condenados à deportação (muitos para a África, algo até então inédito no Brasil), a brutais castigos ou à pena de morte. Na seqüência do evento, instalou-se na Bahia, sobretudo em Salvador e Santo Amaro, a mais generalizada e cruel repressão contra os escravos que estendeu a perseguição a outros malês. O temor provocado pela rebelião foi tamanho que a corte imperial proibiu a transferência de qualquer escravo baiano para qualquer outra região do país.
Acima de tudo, apesar de derrotada, a Revolta serviu como inspiração fundamental para as lutas contra a escravidão, não só pelo exemplo que forneceu, mas também pelo envolvimento de muitos de seus líderes e participantes, como Luiza Mahin, em outros processos.
Luíza Mahin
Esta africana guerreira teve importante papel na Revolta dos Malês. Pertencente à etnia jeje, alguns afirmam que ela foi transportada para o Brasil, como escrava; outros se referem a ela como sendo natural da Bahia e tendo nascido livre por volta de 1812. Em 1830 deu a luz a um filho, Luis Gama, que mais tarde se tornaria poeta e abolicionista e escreveria as seguintes palavras sobre sua mãe: "Sou filho natural de uma negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã".
Luiza Mahin foi uma mulher inteligente e rebelde. Sua casa tornou-se quartel general das principais revoltas negras que ocorreram em Salvador em meados do século XIX, dentre elas a chamada Grande Insurreição, de 1835. Luiza conseguiu escapar da violenta repressão desencadeada pelo Governo da Província e partiu para o Rio de Janeiro, onde também parece ter participado de outras rebeliões negras, sendo por isso presa e, possivelmente, deportada para a África.

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